Life on Mars (2006-7)


Life on Mars, cr. Matthew Graham, Tony Jordan, e Ashley Pharoah. Reino Unido, 2006-7. HDTV (BBC One), cor, 2 temps., 16 eps., 60 min. cada.

O detective Sam Tyler (John Simm) é atingido por um automóvel e acorda em 1973. Aos seus olhos, Manchester surge agora tão estranha como Marte. Sam aprende a viver com o detective Gene Hunt (Philip Glenister) e os outros novos colegas de esquadra. Mas mesmo a carinhosa ajuda de Annie (Liz White) não consegue afastar a sua ânsia acerca do que se passou e o seu desejo de voltar para 2006. Life on Mars (2006-7) teve dezasseis episódios divididos por duas temporadas. Foi o suficiente para estabelecer um marco recente na produção televisiva britânica. A sua originalidade é evidente no modo como mistura as convenções do drama policial com elementos da ficção científica. Cada episódio conta a história de uma investigação criminal, mas todos são impregnados por uma ambiguidade que levanta questões que não são respondidas. Estará Sam em coma? Terá ele viajado no tempo? Será que é de 1973? Serão as suas dúvidas o produto da sua instabilidade mental? A mudança temporal é uma ideia abundantemente usada na ficção científica para explorar como o mundo se alterará ou alterou — basta recordar as adaptações para cinema e televisão de A Máquina do Tempo de H. G. Wells. No entanto, a série está pouco interessada no simples contraste entre o protagonista e o novo contexto. Está mais interessada na ironia dramática e cómica que nasce da situação. Quer isto dizer que esta é uma obra profundamente britânica no seu enquadramento cultural. Os momentos irónicos sucedem-se e mostram, por exemplo, como acontecimentos que eram difíceis de imaginar nessa época aconteceram mais tarde — como uma primeira-ministra do Reino Unido. Desde as tragédias gregas que a ironia ou “ignorância simulada” tem sido empregue com este propósito: o significado completo das acções e palavras das personagens é claro para a audiência, mas desconhecido para elas. Sam enfrenta este desconhecimento com espanto enquanto lida com o sexismo e racismo reinantes, a brutalidade e corrupção institucionalizadas, e investigações sem assistência forense. Esta representação do trabalho policial tem como base uma popular série que mudou o drama policial britânico: The Sweeney (1975-78), criada por Ian Kennedy Martin, originalmente transmitida na ITV. Gene, um detective-chefe justo, leal, e inteligente, é politicamente incorrecto e colide numerosas vezes com o seu novo e confuso subordinado. É alguém capaz de fumar e apagar um cigarro no chão dum quarto de hospital. John Regan, o líder do grupo de polícias em The Sweeney, era de Manchester e era chamado de “Guv” tal como Gene. A memória é um dos temas centrais de Life on Mars. As recordações pessoais de Sam formam-se a partir das referências culturais e intersectam-se com elas. Isto é especialmente notório na banda sonora que recupera clássicos da música inglesa da década de 1970, desde logo com a canção de David Bowie que inspirou o título. A utilização desta canção demonstra também que estas referências não são meramente funcionais no retrato deste período. Têm uma função narrativa e são peças importantes no modo como a história se desenrola e pode ser interpretada. A série alude também a filmes como O Feiticeiro de Oz (The Wizard of Oz, 1939) com o mesmo propósito. Além disso, o protagonista é muitas vezes interpelado através do televisor que tem no seu quarto. Investigadores como John Corner reconhecem que a relação com o passado tem-se tornado uma das características mais estruturais da ficção televisiva britânica — e a BBC, a estação para a qual a série foi concebida, teve um papel determinante e fundador neste desenvolvimento fértil e singular. A exploração das memórias de Sam é portanto também uma viagem pelas imagens que a televisão produziu, desta maneira registando e provocando transformações no país. Este gesto pós-moderno de interrogar as suas formas e os seus significados persiste até ao final, até aos últimos segundos da série. [01.10.2007]