Dead Presidents (1995)


Alta Jogada, real. Albert e Allen Hughes. EUA, 1995. 35mm, cor, 119 min.

Com esta história estamos do lado do inferno. Acompanhamos o crescimento de um rapaz, a sua primeira luta, o seu primeiro amor. Vêmo-lo no Vietname, no meio de uma guerra longínqua para onde ele foge da guerra em casa. De regresso aos EUA, a tentar encontrar o passado. À espera dele estão velhos rostos que não tinha esquecido, novos rostos que não conhecia, amigos viciados e grupos revoltosos que querem a revolução. Larenz Tate interpreta Anthony Curtis, uma personagem que atravessa diversas convulsões sociais sem representar nenhum grupo. Esta é uma odisseia individual, em que as exigências e as trocas sociais baralham constantemente a sua existência. Esta relação com os centros dramáticos do filme permanece para todas as outras personagens e faz com que não sejam reduzidas a estereótipos. De resto, é por isso que não se formam grupos neste filme — a não ser que se tome o conceito de grupo como sendo a adição de histórias pessoais. Alta Jogada pode parecer apontar para demasiadas direcções, mas o mais significativo é o modo como encena situações que pertenceriam a géneros distintos e codificados (o filme de gangsters, o filme de guerra, o heist) trabalhando-as para se fixar no rapaz que entrega o leite, no princípio, e no homem que olha para longe na carrinha que o conduz à prisão, no fim. Neste trabalho sobre os géneros cinematográficos como matéria dramática ficam na memória algumas cenas de evocação do passado no Bronx, algumas sequências impressionantes da guerra no Vietname, e a espantosa encenação de um assalto como duelo tenso no espaço e no tempo. Os realizadores, os irmãos Albert e Allen Hughes, conseguem com muita habilidade e inteligência ir definindo ambientes e personagens, às vezes com imagens certeiras e curtas, outras vezes com planos longos em que a mobilidade da câmara entra num jogo enérgico com os corpos dos actores. Realizado por dois negros, este filme podia ser sobretudo sobre o racismo. Também é, mas não é especialmente. Há brancos em todos os segmentos ao lado de Anthony, nos combates, no novo Bronx. Todos procuram sobreviver e arranjar dinheiro, que no calão das ruas se chama “presidentes mortos” (“dead presidents”, o título original do filme). O dinheiro é o símbolo de uma classe que faz com que Anthony sinta que não pertence à nação estado-unidense, que pode viver separado da história do país. Na conclusão, ele é repreendido por um juiz que combateu na Segunda Guerra Mundial. Mais do que julgado, ele é acusado de ter esquecido os valores fundamentais por dinheiro fácil. O filme mostra o seu caminho, de prisão nas malhas da necessidade, de rejeição de uma autoridade cega que ele não entende, mas sem responder se ele encontrará um sentido para a sua história. Eis um drama muito humano. [08.01.2010, orig. 07.2003]