The Rich Man’s Wife (1996)


Inocência Perversa, real. Amy Holden Jones. EUA, 1996. 35mm, cor, 94 min.

“Apenas quero dizer a verdade”, diz Josie Potenza (Halle Berry) no início. Depois conta uma história a dois detectives (Frankie Faison e Charles Hallahan), que tenta esclarecer a morte de três homens: Tony (Christopher McDonald), o seu odioso marido; Jake (Clive Owen), o seu amante, amigo do seu esposo; e Cole (Peter Greene), um violento homem que conhece por acaso. O filme é quase por inteiro um flashback que mostra o que Josie vai narrando. Nos minutos finais, depois de ela ter terminado o depoimento, há uma revelação que nega tudo o que foi visto, como em Os Suspeitos do Costume (The Usual Suspects, 1995) — e que o título português denuncia desde logo. A voz de Berry lança a narração dos acontecimentos anteriores, mas depois desvanece-se. A sua voz poderia ser redundante se fosse estabelecido o seu ponto de vista, aquele a partir do qual os eventos são relatados, mas há diversos momentos em que ela está ausente dos episódios que conta. Esta omnipresença da narradora é um aspecto da arbitrariedade formal e narrativa que envolve a descoberta final. Amy Holden Jones consegue criar tensão em cenas violentas como a da morte de Tony, mas quase nunca consegue fixar a intensidade que se devia gerar entre personagens, dirigindo os actores muitas vezes como elementos separados, isolados, sem relação. Além disso, a fraqueza dramática do filme deve-se também a uma montagem pouco hábil e atenta — a música funciona muitas vezes contra as cenas, por exemplo. Os actores são prejudicados pelas incongruências das personagens, excepto os dois curiosos detectives que debatem os suspeitos e as consequências da cor da sua pele. Halle Berry estava a tornar-se actriz, mas o filme exige que ela o suporte quase por inteiro, e que o faça existindo apenas na mentira e para o engano — o confronto entre o inconsciente e o consciente, o irracional e o racional, o verdadeiro e o falso, o autêntico e ardiloso, é preterido pela surpresa seca. Um apontamento sobre a direcção fotográfica do experiente Haskell Wexler, que trabalhou em América, América (America, America, 1963) e Voando Sobre um Ninho de Cucos (One Flew Over the Cuckoo’s Nest, 1975): através de uma iluminação colorida das sempre difíceis cenas nocturnas, desenha uma intimidade em permanente instabilidade. [29.03.2010, orig. 08.2002]