Waking Life (2001)


Acordar para a Vida, real. Richard Linklater. EUA, 2001. 35mm, cor, 99 min.

“O sonho é destino”, diz-se no início. Há momentos em que tendemos para um estado de vigília, no qual a diferença entre sonho e realidade é anulada. Esta personagem (Wiley Wiggins) que vagueia de cena para cena só muito tarde descobre que está em pleno “sonho acordado”. Dizem-lhe que nos sonhos a luz não pode ser alterada ou desligada, que os algarismos dos relógios electrónicos ficam ilegíveis e ele repara que acorda sem conseguir escapar dos sonhos que tem, onde vai conhecendo pessoas nos intervalos de discussões filosóficas e experiências etéreas. No princípio, ouve e observa. A pouco e pouco, vai respondendo, participando, e questionando. É quando ele começa a fazer perguntas que tudo começa a fazer sentido. Assim, é desafiada a percepção, numa reflexão sobre a existência que violenta as formas do cinema. As palavras têm a capacidade de comunicar pensamentos, têm a possibilidade de despertar a mente e abrir caminho. Visualmente, trata-se de uma obra lírica, com seres apaixonados e ardentes, com muitas dúvidas. O filme foi rodado em Austin, Nova Iorque, e San Antonio, mas não há referências geográficas, tudo faz parte do mesmo universo mental. Há uma ponte que parece Brooklyn Bridge, uma estação de metro que parece ser em Nova Iorque, um horizonte que parece o de Austin, mas nada é confirmado. A opção é antes pela livre associação, pela revelação nítida dos sonhos. Nunca saímos do quarto. Acordar para a Vida é um filme animado, não um filme de animação. Filmado com uma câmara de vídeo digital, foi montado, e as imagens foram depois desenhadas e coloridas por cima, em computador, por animadores: formas transparentes, linhas claras, objectos cambaleantes. As figuras flutuam em cenários instáveis, como que a levitar. Richard Linklater segue as personagens com a câmara. Dizer “eu sonho”, no contexto deste filme, não é uma explicação, é a aceitação de uma condição. Depois desse momento abre-se a vida e a liberdade. A vida acordada não é o oposto da vida sonhada. Por isso, o protagonista acorda pela última vez, não olha para o relógio, não mexe nos interruptores, primeiro agarra-se ao manípulo da porta de um automóvel e depois deixa-se levar, até desaparecer no céu. [16.03.2010, orig. 07.2003]