The Cell (2000)


A Cela, real. Tarsem Singh. Alemanha/EUA, 2000. 35mm, cor, 107 min.

Hipótese científica e figurativa: a mente é um espaço habitado que pode ser percorrido por alguém. Quando a psicoterapeuta Catherine Deane (Jennifer Lopez) penetra na mente de um menino comatoso aparece vestida de branco como uma fada. Aquela que vemos não é ela, é uma imagem dela — tal como o ambiente é ele, mas uma projecção dele. Ela observa, lê, tenta modificar o comportamento receoso dele, através de gestos e palavras, da transfiguração e recordação. Para isso tem de ganhar a sua confiança, de o convencer a abandonar a segurança ilusória da solidão e a dirigir-se a ela. No fim, com o universo mental dela a confundir-se com o dele, essa ligação consuma-se. O importante é passar, superar fronteiras, dualidades. Ela liga-se ao dispositivo, fuma erva; ambos meios para visitar outras paisagens. A figura da transição é, neste filme, uma comunicação que permite reconhecer o que há de comum entre os mundos. A mente de Carl Rudolph Stargher (Vincent D’Onofrio) é um labirinto de choque com as origens reprimidas do receio — onde, como no caso do miúdo, quem quer ajudar não tem lugar seguro nem pode negar a envolvência. O propósito não é terapêutico, o FBI quer saber onde está a última rapariga que Stargher raptou. Há uma contagem decrescente para o afogamento dela. A certa altura, o serial killer pergunta a Catherine em que mundo é que ela vive. Trata-se de uma viagem cuja vertigem apela ao fantástico. As duas narrativas alimentam-se uma da outra: a investigação e tentativa de salvamento, o percurso através do espaço de revelação do inconsciente do assassino. Contra a simples caracterização psicológica, o simbolismo dos elementos integrados no tecido do filme torna-os significantes. O trabalho técnico e artístico figura o reprimido e o oculto — os fatos vermelhos de Eiko Ishioka cobrem os corpos quando estes partilham a mente, estilizando a carne viva. Vida e morte, consciente e inconsciente, real e sonho, figuras e espectros, fusão e separação, relacionam-se, incluindo referências artísticas explícitas, de Damien Hirst a Andrei Tarkovski. Nesta obra, falar é um modo de convencer, uma maneira de ela mostrar o que vê: a parte deles que eles desconhecem, que não querem ver ou mostrar ou enfrentar. Porque há sempre um sacrifício a fazer perante as faces monstruosas do assassino. Não é possível matar o monstro e salvar a criança, já que há algo que os liga apesar das diferença entre eles. Elementos como a escola infantil em frente à casa do assassino ou a canção de embalar com que Catherine regressa dos mergulhos na mente de outra pessoa, revelam que esta é uma narrativa assombrada pela infância. [09.04.2010, orig. 06.2002]