Jin ling shi san chai (2011)


As Flores da Guerra, real. Yimou Zhang. Hong Kong/RPC, 2011. 35mm, DCP, cor, 146 min.

O massacre de Nanquim foi um dos mais selvagens episódios da invasão da China pelo Japão Imperial em 1937, envolvendo a violação e o assassinato de numerosas crianças e mulheres. O grande cineasta chinês Yimou Zhang aborda este acontecimento através de um romance de Yan Geling, adaptado pela própria e por Liu Heng. É menos um filme de guerra e mais um melodrama. Tenta conjugar três olhares: o de Shujuan Meng (Xinyi Zhang), uma das meninas de um convento católico, o de Yu Mo (Ni Ni), a mais insinuante num grupo de mulheres prostituídas, e o de John Miller (Christian Bale), um cangalheiro americano. Nesta tentativa, é o olhar do filme que se perde devido à indecisão. A voz de Shujuan pontua a narrativa. São dela as primeiras e as últimas palavras que ouvimos. As Flores da Guerra interessa-se pelo seu ponto de vista, que é o de uma criança em transição para a puberdade, a tomar consciência da sua sexualidade, tendo que confrontar os seus preconceitos em relação à prostituição e as suas perdas causadas pelo genocídio. É certo que todo o movimento dramático tem, de alguma maneira, raiz em Shujuan: Yu vê nela o que foi e quer preservar, Miller vê nela a filha que perdeu e quer proteger, ambos carregam o peso de um passado que tentam refazer. Ni Ni constrói uma imagem de subtis camadas que é primorosa ao mesmo tempo que deixa ver as imperfeições da personagem. Bale injecta no papel uma intensa vulnerabilidade e perturbação. O olhar estrangeiro de Miller acaba por dominar, tirando força não só a Shujuan (e a Yu), mas sobretudo à própria perspectiva chinesa sobre um evento que deixou profundas marcas pessoais e colectivas. Visualmente, o vitral em rosácea através do qual Shujuan espreita aparece como um significativo elemento religioso. As suas cores filtram a imagem do mundo e moldam a luz que entra na igreja. As balas abrem violentamente outra forma de ver através dos buracos no vidro pintado. Mas afinal essa nova forma de ver não está distante da outra. Tem o mesmo sentido espiritual, sublinhado na maneira como a câmara se coloca do lado de dentro, de quem olha para fora e recebe a claridade. Apesar desta utilização visual do vitral, a dimensão religiosa não é explorada em profundidade em termos narrativos ou estéticos. De igual modo, o gesto de sacrifício aparece descarnado — o derradeiro filme de John Ford, Sete Mulheres (7 Women, 1965), pode servir aqui de contraponto moral e estilístico. Não encontramos nesta obra a densidade com que Yimou pegou na memória social e histórica em Esposas e Concubinas (Da hong deng long gao gao gua, 1991) e Herói (Ying xiong, 2002), trabalhando com consistência a partir da rica tradição cultural chinesa. Em contraste, neste filme as cenas de guerra têm uma certa crueza. No entanto, por vezes, são filmadas e montadas com a mesma precisão e fluidez condensadas das cenas de luta dos filmes de artes marciais do realizador como O Segredo dos Punhais Voadores (Shi mian mai fu, 2004). [06.07.2012, orig. 06.2012]