Abraço do Vento (2004)


Abraço do Vento, real. José Miguel Ribeiro. Portugal, 2004. 35mm, cor, 3 min.

Esta animação com dois minutos e meio parte de uma peça musical de Carlos Paredes, “Canto do Trabalho”, para mostrar o movimento único do mundo, humano, natural e construído. A obra nasceu de uma encomenda da associação Movimentos Perpétuos para que o cineasta fizesse um filme a partir da música do guitarrista de Coimbra. “Canto do Trabalho” é mais uma composição pulsante de Paredes que integra a tensão da procura e a dinâmica da vida, como se as notas fossem alimentadas pela respiração humana. É uma viagem que começa com o repetir insistente de notas, seguido do percorrer das cordas metálicas. Esta busca cede lugar ao dedilhar, primeiro lento, depois rápido, com constantes mudanças de velocidade. São notas à procura umas das outras, arranjando-se de modo a conviverem e a trabalharem em conjunto. O que guiou o realizador parece ter sido apenas a escuta atenta e imaginativa deste canto sem voz. Como o próprio explica: “A terra (vermelha da Estremadura e castanha do Alentejo), as folhas, o metal dos parafusos, a cerâmica dos pratos, o papel dos envelopes e os acrílicos são a matéria-prima deste trabalho.” Com estes elementos, a animação de volumes define dois lugares com duas terras, duas árvores, e dois tipos de folha. Junto à terra, o barro trabalhado faz a transição entre solo e sub-solo, exterior e interior. Os troncos das árvores são feitos de ferro com raízes de camadas de folhas e tempos. O vento sopra as folhas de um ponto para outro. É uma paisagem portuguesa, onde o que é dado e o que é produzido, as cores e os sons, coexistem. Por um momento, tudo pode parecer invertido como num dos planos do filme. Mas é apenas porque o nosso olhar não abarca os ciclos e as ligações. Tem de ser ajustado. Na secção dedilhada a várias velocidades, a transformação da matéria através do trabalho humano ganha um sentido poético vertiginoso. As duas folhas tornam-se duas figuras e a animação passa a ter a pintura como base. Dão as mãos, correm, e uma cidade cresce à sua volta através dos largos gestos feitos traços de desenhos pintados. Do seu movimento, que atravessa o quotidiano das ruas e das casas, brotam outros ventos e outros abraços. [21.02.2013, orig. 02.2013]