Ganhar a Vida (2001)


Ganhar a Vida, real. João Canijo. França/Portugal, 2001. 35mm, cor, 115 min.

A originalidade de Ganhar a Vida começa logo no tema: os emigrantes portugueses em França e a sua luta pela justiça económica e social. A força dramática do filme resulta de uma estrutura que dá um grande peso à vida familiar e aos conflitos internos no grupo de manifestantes. Cidália, a mulher que Rita Blanco compõe de modo tenso e determinado, está sozinha desde as primeiras cenas de revolta. Há quem lhe diga para desistir face à polícia. Essa solidão vai-se acentuando. Todos a abandonam. Ela será o motor que provoca a catarse colectiva, mas permanece só — como quando lê o poema de Luís de Camões na festa da associação. O seu filho morreu e a sua dor não diminui com a passagem do tempo. Não é a verdade que a move, nem uma tentativa de apaziguamento. A sua indignação é dirigida contra a passividade e o comodismo de uma comunidade que se fecha sobre o seu próprio medo. À época da estreia, o realizador João Canijo contava que alguém lhe disse que os emigrantes portugueses dos subúrbios de Paris não estão integrados, mas silenciosos, não querem ser notados. Para Cidália, estão silenciados — e é isso que a sua acção pretende contrariar. De certa forma, não o consegue, mas esta luta não devia ser apenas sua. Portanto, a sua voz faz a diferença e é por isso que a sua última imagem é dorida e ardente, solitária e liberta. Eis um sentido de leitura da derradeira cena, na qual muitos vêem o espectro do suicídio. Canijo prossegue uma ligação fortíssima ao movimento da realidade, uma conexão vigorosa com os corpos e as coisas que permite uma transfusão de energia do que é filmado para as imagens do filme. Veja-se o obsessivo trabalho de composição cromática que dá às cores uma vibração emocional. As imagens são distorcidas, ou melhor, transfiguradas, numa matéria hiper-realista, ou seja, numa matéria abstracta que condensa e exacerba traços da realidade. A vida que a Cidália e a Rita agarram pelas mãos, os gestos que as libertam do que as amarra, as palavras que gritam contra a falsa tranquilidade, ganham uma força que agita e altera tudo à sua volta. [19.04.2013, orig. 04.2013]