THX 1138 (1971)


THX 1138, real. George Lucas. EUA, 1971. 35mm, cor, 86 min.

George Lucas é o autor da saga iniciada com Star Wars: Episódio IV — Uma Nova Esperança (Star Wars: Episode IV — A New Hope, 1977) para a qual dirigiu quatro filmes, mas é também o autor de THX 1138 (1971). Muito separa estes dois projectos de ficção científica. Não é apenas o facto do primeiro ser uma ópera espacial e do segundo ser uma narrativa distópica. É sobretudo o estilo experimental de THX 1138, a sua primeira longa-metragem, que contrasta com o estilo pouco notável do primeiro filme produzido para a série Star Wars. No contexto da chamada Nova Hollywood e do grupo dos movie brats, este é um filme importante — para além do mais, envolvendo Francis Ford Coppola como produtor e a companhia de produção American Zoetrope, fundada por Lucas e Coppola em 1969. Em 2004, foi lançada aquela que o realizador considera a versão definitiva de THX 1138, que inclui planos cortados em 1971 por pressão da Warner Bros. e efeitos digitais adicionais. A obra desenvolve uma ideia que tinha servido de base à curta-metragem Electronic Labyrinth: THX 1138 4EB, feita por Lucas em 1967 para o curso de cinema que então frequentava na Universidade do Sul da Califórnia. A distopia apresentada é a de uma sociedade onde a existência humana é diminuída até à sua extinção e substituição por uma existência, podemos dizer, não-humana. Neste mundo, as pessoas são identificadas por letras e números, não têm nome nem história — e um nome, claro, nomeia precisamente uma história pessoal com um passado. THX 1138 (Robert Duvall) é um funcionário exemplar até ao momento em que a sua companheira de residência, LUH 3417 (Maggie McOmie), altera a sua medicação. Todas e todos tomam drogas que inibem as emoções, em particular a atracção sexual, complementadas pelo entretenimento holográfico que têm ao seu dispor. A falta dos comprimidos resulta numa alteração do modo como THX sente e pensa. Intensamente atraído por LUH, envolve-se sexualmente com ela. Passa a estar desatento na montagem de humanóides. São ambos presos por “crimes sexuais” e “evasão de drogas”. Será apenas o começo do esforço de THX para se libertar deste mundo subterrâneo. Acordado, depois de ter estado demasiado tempo adormecido, o seu percurso é semelhante ao dos prisioneiros na Alegoria da Caverna de Platão. Só que aqui a relação entre o domínio das coisas sensíveis e o das ideias não é de contraposição, mas de interdependência. Esta sociedade é uma construção rigorosa e economicista, onde qualquer projecto que exceda o orçamento inicial é abandonado, mesmo uma intervenção policial. O que mantém este universo de apatia, de rotina, de consumo, são as acções físicas dos robôs-polícia e as cabines espirituais de confissão. Esta manutenção é suportada por uma forte estrutura ideológica. Funcionários como THX contribuem dia após dia, através do seu trabalho na linha de fabrico de robôs, para manter o sistema que os oprime. São também eles próprios que procuram as cabines, nas quais falam para uma imagem de Cristo que os abençoa (pintada por Hans Memling em 1478). Obtêm respostas tão prontas como os comprimidos que ingerem. A imagem serve como projecção da divindade sancionada pelo estado, OMM 0910, mostrando como a religião pode ser usada como um poderoso instrumento de controlo da subjectividade. THX 1138 dá a ver e a ouvir uma batalha por uma subjectividade consciente que tenha onde e quando se situar. A nível visual, a forte presença do branco, dos cinzentos, de padrões repetidos, estabelecem uma noção de vazio ordenado e abrem espaço para a perturbação introduzida pela presença humana. Por isso, uma prisão pode ser apenas uma paisagem branca sem princípio nem fim. Mesmo as aparentes figuras humanas são reduzidas a repetições: cabeças rapadas, uniformes idênticos, comportamentos reproduzidos. A nível sonoro, a densa textura criada por Walter Murch, que assinou o argumento com Lucas, combina fragmentos padronizados: música neutra, indicações constantes, programas seleccionados, mensagens gravadas, comunicações oficiais. O humano vai ser o que interrompe esta cadeia de dominação individual e colectiva e que é, fundamentalmente, o desejo. [09.01.2014]