Desistfilm (1954)


Desistfilm, real. Stan Brakhage. EUA, 1954. 16mm, pb, 7 min.

Uma história de amor em Denver expressa no cinema de um poeta da imagem. É preciso desistir, rejeitar a repetição, assumir a frustração, enfrentar a infelicidade. O cinema de John Cassavetes paira sobre esta obra. O par sobrevive, no desejo de se tocar e confundir, num gesto revolucionário — ela e ele não podem continuar, mas continuam. Desistfilm é um poema sobre o insustentável, um filme de quem sabe que tem de desistir do que destrói para afirmar aquilo que faz a vida florescer mais intensa. Fragmentos fixos. Pormenores. Distorções. O som foi retirado de uma captação radiofónica sem sintonização. Um rapaz abre a porta de um apartamento onde se fuma, se bebe, se toca música. A câmara começa a movimentar-se, a precipitar-se sobre os corpos, à procura de cada um. Partilha-se o álcool. Segue-se uma dança colectiva e a entrada definitiva do rapaz que tinha chegado. Cada pessoa está ocupada, alterada, separada, isolada, a enrolar um fio, a mexer no umbigo, a fazer uma pirâmide de livros, a acender fósforos. Mas eis que ficam especadas, olhares fixos no beijo despido dos amantes. Depois desse momento, sucedem-se corridas, brincadeiras, e alegrias. Saem velozes pelo mundo. Ela e ele continuam a dançar. A câmara acompanha esta dança e enquadra-a através de uma garrafa vazia. Nada é transparente. As figuras são embaciadas. Retirada a garrafa, o par fica exposto aos olhares e aos risos. São sete minutos que se assemelham a uma guerra nervosa, possivelmente sem destino, filmados em 16mm como os documentos fílmicos da Segunda Guerra Mundial. As presenças são dilaceradas. Cada momento é uma explosão febril. Stan Brakhage fixa aqui o espírito de um tempo que anunciava a contracultura americana sem o saber. A câmara tem um ponto de vista subjectivo que corresponde ao de uma participante na festa. Ao contrário de outras curtas-metragens do cineasta, esta faz uso de actores e de uma estrutura dramática. Desistfilm congrega de forma experimental as influências do neo-realismo italiano e do surrealismo francês. Foi o pai do cineasta que lhe ofereceu o equipamento, depois de Brakhage ter estudado no Instituto de Arte de São Francisco. Ainda trabalhou como director de fotografia. Neste filme, como noutros realizados por ele, o trabalho de operação da câmara tem um sentido performativo, quase gestual — a filmagem à mão une o corpo do operador ao corpo da máquina. [04.08.2015, orig. 09.2005]