Money Monster (2016)


Money Monster, real. Jodie Foster. EUA, 2016. DCP, cor, 98 min.

Que função tem o dinheiro no sistema capitalista na sua fase actual? Tem uma função monstruosa, de distorção, mostra-nos o novo filme realizado por Jodie Foster, Money Monster. O motor da acção pode parecer o suspense espectacular criado pela situação de um refém obrigado a vestir um colete com uma bomba. Observando com atenção, essa mecânica vai sendo desarmada, abrindo espaço para uma sátira certeira. Os meios de comunicação social dominantes, controlados pelos grandes grupos económicos privados, são o objecto da crítica satírica. George Clooney, co-produtor do filme, interpreta o apresentador de um programa televisivo, Money Monster, sobre negócios e transacções financeiras. Lee Gates canta, dança, embevecido consigo, como se estivesse ligado à corrente do dinheiro que alimenta. Clooney tem um talento para momentos cintilantes de patetice com grande ressonância humana, que aqui pontuam a performance excessiva de um vendedor da banha da cobra. O espectáculo de variedades incessante tende a bloquear o pensamento crítico de quem vê o programa, mas antes de mais o dele. A intrusão de Kyle Budwell no estúdio para fazer o apresentador refém é a irrupção de um ponto de vista de classe que os filmes sobre Wall Street têm evitado. Quando Kyle puxa de uma arma para lhe darem atenção, Lee pergunta se é “uma coisa do sindicato”. Ele entra num espaço que molda a sua vida e do qual é excluído, utilizando o poder imenso da televisão para o virar contra os interesses que a comandam. Sob o olhar de milhões de telespectadores, ele quer saber o que aconteceu aos 60 mil dólares herdados da mãe que investiu nas acções de uma empresa com o irónico nome IBIS Clear Capital, a partir de uma dica do programa. Trabalhador sem descanso, mal pago, a viver numa situação remediada com a namorada grávida, Kyle queria evitar problemas financeiros ainda maiores quando a família aumentar em número. Jack O’Connell acrescenta mais esta personagem à galeria de jovens que tentam fintar o desespero com nervosismo e raiva, mas com uma consciência ligada ao seu lugar na estratificação social, como o skin anti-racista Pukey de This Is England - Isto é Inglaterra (This Is England, 2006). Kyle ouviu o lema capitalista propalado por Lee, “sem risco, não há recompensa”, como se fosse senso comum. Correu o risco e perdeu tudo o que investiu, supostamente devido a uma falha num algoritmo de negociação que fez “desaparecer” 800 milhões de dólares. Por isso, quer explicações do CEO da empresa, Walt Camby, que Dominic West representa com a arrogância contida de alguém que procura assegurar o domínio sobre os outros sabendo que o seu poder é frágil — como aprende com a porta-voz da IBIS, Diane Lester (Caitriona Balfe). À medida que a narrativa progride, a acção deixa Nova Iorque e ramifica-se para Seul, Joanesburgo e Reykjavik. Na cidade coreana, está o programador do algoritmo que vicia o jogo determinando resultados mediante operações sobre dados financeiros, mas para quem a dita falha só pode ter resultado da intervenção de alguém. Na cidade sul-africana, uma greve de mineiros tinha sido instrumentalizada por Camby através do suborno de um sindicalista. Investindo os 800 milhões “desaparecidos” na empresa de exploração da mina, entretanto desvalorizada no mercado, ele pretendia maximizar os lucros quando o trabalho fosse retomado. Os mineiros e o seu sindicato acabaram por lhe frustrar os planos quando a sua luta se assumiu como necessária e justa, num embate entre classes com interesses opostos. Na cidade islandesa, dois hackers recolhem provas digitais dos actos cometidos por Camby. Estas ligações atravessam o globo e desmontam a máscara da globalização, colocando a ênfase na relação entre a circulação de capitais e a divisão imperialista do trabalho. Sem evitar algumas notas falsas, a agilidade de Jodie Foster para tecer linhas narrativas tem como correspondente no filme a produtora Patty Fenn, interpretada por Julia Roberts, que vai lidando calmamente com as exigências da emissão televisiva. O clímax decorre em Wall Street, quando Lee e Jack, já unidos, saem do estúdio para confrontar Camby no Federal Hall, edifício que comemora eventos como a tomada de posse de George Washington e a introdução da Declaração dos Direitos dos Estados Unidos. Neste confronto final encenado como um julgamento pela democracia, esta obra afasta-se do discurso prevalecente sobre a crise financeira que salienta a falta de ética dos seus grandes protagonistas em vez de discutir a sua natureza sistémica. É uma perspicaz mudança de foco, construída ao longo do filme, de cada personagem para as suas relações económicas e sociais, dos seus actos para o sistema capitalista e imperialista. Money Monster mostra a contradição entre especulação e produção, valor monetário e valor produtivo, a troca de dinheiro por mais dinheiro que o deforma e afecta a vida concreta de trabalhadores americanos e africanos. [16.06.2016]